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"Existe mais filosofia em uma garrafa de vinho que em todos os livros." Louis Pasteur

domingo, 22 de maio de 2016

As vinhas de Minas em evolução

Por Lygia Calil





Muito conhecido pelo café, pela cachaça e, mais recentemente, pelas cervejas artesanais, Minas Gerais também tem vinho próprio. Se na região de Andradas já havia empresas que produziam vinhos de garrafão e de baixa qualidade, agora há rótulos que buscam espaço entre as bebidas refinadas. Três marcas já estão no mercado: Primeira Estrada (de Três Corações), Luiz Porto (Cordislândia) e Dom de Minas (Cordislândia). Uma quarta, a Maria Maria (Três Pontas), está em fase final de elaboração e deverá estar pronta para a comercialização até o fim do ano. 






A aposta dos produtores, todos eles também cafeicultores, só foi possível a partir da criação de uma técnica desenvolvida na fazenda experimental da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) em Caldas: a dupla poda.

À frente da tecnologia e envolvido na produção de todas as marcas novatas está o engenheiro agrônomo Murillo Albuquerque Regina, PhD em vitivinicultura e enologia pela Universidade Bordeaux, na França. Por volta do ano 2000, quando foi àquele país estudar, percebeu que o que acontecia nos vinhedos de lá era exatamente o contrário do que ocorria no Brasil: a colheita da uva se dava no inverno, em plena seca, enquanto em terras brasileiras colhiam-se as uvas no período chuvoso. 




Embora o Sul de Minas apresentasse boas condições climáticas para a produção de uvas viníferas, a colheita com chuva atrapalhava o desempenho das bebidas, que não apresentavam cor ou compostos aromáticos suficientes para o exigente e competitivo mercado de vinhos finos. Depois de intensas pesquisas, que geraram à equipe da Epamig dissertações de mestrado, teses de doutorado e muitos artigos científicos, a técnica enfim foi desenvolvida na região – e conta, como o nome adianta, com duas podas por ano, uma em janeiro e outra em agosto.

“O que nós fizemos foi inverter o ciclo biológico da planta, que agora começa a amadurecer em maio para ser colhida em julho”, explica Murillo Regina. Os dias ensolarados, as noites frias e o solo de encostas bem drenadas, que tão bem fazem aos pés de café, se mostraram bem-vindos para a produção de diferentes uvas. A mais bem-sucedida até agora, de acordo com o pesquisador, é a syrah. “É a que mostrou ser mais viável comercialmente. Os vinhedos atendem à produtividade necessária, com média anual de sete toneladas por hectare”, resume ele. As primeiras mudas da uva foram importadas da França. 




O primeiro rótulo a chegar ao mercado foi o Primeira Estrada, em 2010. Não à toa, o pioneiro foi produzido com syrah, na fazenda da Fé, por Murillo Regina em parceria com o médico Marcos Arruda Vieira. A ele se seguiram as outras produções, que foram diversificando as uvas. Sob comando do administrador Júnior Porto, as marcas Dom de Minas e Luiz Porto produzem vinhos com a syrah, mas também opções com merlot, cabernet sauvignon, cabernet franc e exemplares brancos, de sauvignon blanc e chardonnay.

“Demos o primeiro passo rumo à consolidação dessa região, mas sabemos que o caminho a ser percorrido vai ser longo. Trabalhamos com produtos nos quais acreditamos muito, sabemos que existe um potencial muito grande”, afirma Júnior Porto. 



Esse potencial, para ele, vai além do mercado de bebidas e entra também como opção de turismo. “A nossa fazenda está a três horas de Belo Horizonte, estamos preparando a vinícola para receber as pessoas lá, para que elas conheçam como é o processo, mostrar todas as etapas. Queremos que o vinho seja uma coisa mais próxima, literalmente”, afirma Júnior Porto.

Na estimativa de Murillo Regina, são 20 produtores no Sul do Estado que hoje também se dedicam à produção de uvas, embora nem todos ainda tenham seus rótulos – experiências têm sido feitas no Núcleo Tecnológico Uva e Vinho, em Caldas. “Aos poucos, serão agregadas novas marcas e mais produtores terão o interesse despertado. A condição de mercado é muito boa pelas experiências até agora”, diz ele. A intenção dos produtores é que a região se transforme, no longo prazo, em um polo de produção viticultora. “A aposta já se mostrou ser totalmente acertada. Oferecemos vinhos modernos, de qualidade, competitivos”, diz o pesquisador.

Desconhecimento. Por ainda terem uma produção recente e pequena, os vinhos mineiros não são conhecidos por especialistas Brasil afora. O Gastrô procurou dois sommeliers para falar sobre as bebidas, mas ambos disseram desconhecer os rótulos. Responsável pela palestra No Brasil Tem Vinho Bom, no Fartura BH, Miriam Aguiar, do Rio de Janeiro, se mostrou interessada, mas não quis falar por não ter experimentado. Já o crítico e autor do livro “Novo Mundo do Vinho e as Regiões Emergentes”, Aguinaldo Záckia Albert, não conhece, mas não aposta na região. “Com capricho e novas tecnologias, pode até ser que façam um bom vinho, mas duvido muito”, disse ele.

Para Regina, trata-se de uma questão de tempo e divulgação. “No Rio de Janeiro vende muito bem. À medida que participarmos de mais feiras e concursos internacionais seremos mais conhecidos”, diz.

O primeiro desafio para os produtores mineiros era conseguir a técnica de plantio e colheita. O segundo, produzir o vinho. Vencidos os dois, agora, o terceiro se mostra derrubar a barreira cultural. “Existe muito preconceito. Hoje, o mercado brasileiro é dominado por vinhos estrangeiros. Se por R$ 50 eu compro um vinho chileno medíocre, o mineiro vendido por R$ 59 oferece qualidade superior”, diz Murillo.

Essa opinião, porém, é contestada pelo enólogo Nelton Fagundes, para quem os mineiros ainda não têm boa competitividade diante da concorrência, na faixa entre R$ 40 e R$ 90, nas lojas, e R$ 60 a R$ 110, nos restaurantes. “É impossível pedir ao consumidor que não compare. Na faixa a partir de R$ 80, para citar duas marcas, temos o espanhol Finca Muñoz e o argentino Luigi Bosca, que são fantásticos. É difícil que o comprador, sem conhecer, escolha um mineiro. O ideal é que a maior parte deles tivesse preços em torno de R$ 30”, afirma.


Original:  http://www.otempo.com.br/gastro/as-vinhas-de-minas-em-evolu%C3%A7%C3%A3o-1.925416

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