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"Existe mais filosofia em uma garrafa de vinho que em todos os livros." Louis Pasteur

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Monte seu kit de aromas de vinhos

Sentir o buquê de um vinho é habilidade que se desenvolve com treino – e aumenta o prazer da bebida. Em vez de usar jogos de essências importados e caros para treinar seu nariz, faça você mesmo. Aprenda aqui como montar a sua caixa.

Por Isabelle Moreira Lima

Vinho se toma tanto na boca como no nariz e a habilidade gustativa depende do olfato, todo mundo sabe. É só pensar na última vez em que você esteve resfriado: conseguiu sentir o gosto da comida? Dificilmente, pois 80% do paladar vem do nariz. No caso do vinho, os aromas conferem prazer sensorial – quanto mais famílias aromáticas estiverem presentes na bebida, mais complexa ela será e mais interessante descortiná-la. Eles também contam a história da garrafa, oferecendo pistas sobre as uvas usadas, a idade do vinho, o método de vinificação e a geografia do local de produção.



Pimenta-do-reino é um aroma clássico da Syrah, orégano é um hit em vinhos da Toscana, cogumelo seco é certeiro em Pinots da Borgonha. Treinar o nariz para reconhecer aromas como esses, fazendo conexões entre cheiro e informação, é prática comum entre sommeliers e especialistas. Mas o bebedor casual também ganha com isso. “Pode ser desconcertante ouvir experts falarem poeticamente sobre aromas”, diz a jornalista convertida em sommelière Bianca Bosker, autora do best-seller Cork Dork (sem edição em português). “É quase como se houvesse um problema de comunicação porque as pessoas comuns não sabem ‘ouvir’ o seu nariz da maneira que os experts o fazem.”


Uma ferramenta muito usada por amantes do vinho para “treinar” o nariz é o kit de aromas. Há diferentes exercícios e metodologias para entrar nesse mundo do halterofilismo olfativo (você conhecerá algumas delas aqui) e os resultados são impressionantes, atestam os adeptos.

Há kits prontos como Le Nez du Vin, o mais tradicional, com 54 vidrinhos com óleos essenciais que reproduzem fragrâncias e odores mais comuns em vinhos. Mas são caros: o Nez du Vin custa R$ 1,3 mil. Por isso resolvemos propor um investimento muito menor, com altíssima taxa de diversão: faça você mesmo seu kit de aromas do vinho (veja na galeria abaixo).

Colocamos em vidrinhos 42 aromas de estilos icônicos, de anis a zimbro. Para elegê-los, usei tabelas do Wine and Spirits Education Trust, órgão inglês de educação para o vinho, que me levou ainda a improvisar aromas de defeito, como papelão molhado. No total, gastei R$ 220 no kit mais completo (cada vidro custou R$ 3,50). Mas você pode improvisar.

O que vem na sua caixa 


AROMAS FLORAIS
1. CAMOMILA: Presente em brancos como Arneis e Chardonnays de Chablis e de Puligny-Montrachet. 2. LAVANDA: Comum em Syrah, Grenache, Mourvèdre, Petit Verdot, Tempranillo e Sangiovese. 3. JASMIM (FLORES BRANCAS): Encontrado em brancos como Sémillon, Muscadet, Torrontés e Pinot Grigio. 

AROMAS FRUTADOS
4. CRANBERRY: Em Syrah de clima frio e Merlot do Novo Mundo. Geralmente combinado com aromas florais. 5. DAMASCO: Associado a Viognier e a Albariños mais ricos, é comum em Sauternes, Tokaji e Porto Tawny. 6. AMEIXA SECA: Aparece em vinhos concentrados, nos italianos doces Recioto e nos com tempo em garrafa.7. MAÇÃ: Faz parte da família de frutas brancas e está presente em Chenin Blanc e Grüner Veltliner. 8. FRUTA EM GELEIA: Comum em tintos com baixa acidez e muito álcool, como Primitivo e Syrah australiano. 9. FIGO SECO: Presente no tinto siciliano Nero d’Avola vinificado à moda clássica e em Portos.



AROMAS DE VEGETAIS
10. TOMILHO: Presente em tintos e brancos, como Pinot Noir da Califórnia, e Sancerre. 11. ENDRO: Encontrado em vinhos feitos com Nebbiolo, como Barolo e Barbaresco. 12. MENTA: Presente em Cabernet Sauvignon do Novo Mundo, Aragonez e Alicante Bouschet. 13. CAPIM-CIDREIRA: Presente nas versões mais herbáceas de Sauvignon Blanc e de Pinot Grigio. 14. LOURO: É comum que seja identificado em Cabernets mentolados do Novo Mundo. 15. ORÉGANO: Presente em vinhos tintos de clima frio e em rótulos da Toscana e de Bordeaux. 16. GRAMA: Típica de Sauvignon Blanc e de alguns brancos franceses como Sancerre. Indica ainda verdor.


AROMAS DE ESPECIARIAS
17. CRAVO: Comum em estilos como Châteauneuf-du-Pape e Côtes du Rhône. 18. NOZ-MOSCADA: Esse aroma aponta para o uso de barricas de carvalho e para estágio após a fermentação. 19. GENGIBRE: Presente em vinhos que têm a Botrytis cinerea e nos Spätlese Riesling. 20. PIMENTA PRETA: Clássico para a Syrah, mas também aparece na Mourvèdre e na Cabernet Sauvignon. 21. PIMENTA BRANCA: Encontrado em Gewürztraminer da Alsácia e em Dolcettos e Barberas do Piemonte. 22. ANIS-ESTRELADO: Associado a tintos como Barbera e Zinfandel, além de alguns Malbecs argentinos. 23. ZIMBRO: Presente em vinhos da Sicília como os feitos com Perricone, e nos que têm um quê balsâmico. 24. CANELA: Em vinhos com podridão nobre (Botrytis cinerea), como Tokaji e Sauternes. E ainda no Banyuls.


AROMAS DE MINERAIS
25. TERRA: Comum aos Brunello di Montalcino, Primitivo e Aglianico rústicos, e alguns Syrah e Pinot Noir. 26. BORRACHA: Em Rieslings do Reno e em certos Syrahs do Rhône. Borracha queimada é comum à Pinotage.


AROMAS DE MADEIRA
27. FUMO-DE-CORDA: Encontrado em tintos que estagiaram em barricas de tosta forte. Também denota evolução. 28. CACAU: No nariz e na boca, indica que o vinho passou por barrica de madeira. 29. CAFÉ: Exemplifica o uso da madeira. Nota de cappuccino é encontrada em Champanhe vintage. 30. AVELÃ: Típico de Borgonhas brancos e de espumantes envelhecidos, como Champanhes safrados. 31. COCO: Encontrado em vinhos que passaram por estágio em carvalho americano. Rioja. 32. AMÊNDOAS: Presente no branco italiano Soave, em Jerez do tipo Fino e em vinhos do Porto. 33. BAUNILHA: Aroma encontrado em brancos que estagiaram em carvalho. Também indica evolução. 34. NOZES: Presentes em vinhos com estilo oxidativo, como os do Porto e os da Madeira. 35. CHÁ PRETO: Em tintos evoluídos como Barolo e Bordeaux. Lembra folha seca e terra molhada. 36. CHOCOLATE: Indica uso de madeira e é comum a Merlot francês e a Montepulciano d’Abruzzo.
 
AROMAS DE EVOLUÇÃO
37. MEL: Geralmente vem com frutos secos em estilos como Tokaji, Sauternes e Rieslings doces. 38. COGUMELO SECO: Aroma terroso muito associado a Pinot Noir da Borgonha e a vinhos bastante evoluídos. 39. CEREAL: Característica de maturidade, pode ser encontrada em Chablis e Jura. 40. TABACO: Indica maturidade em garrafa. Comum aparecer com couro e folha molhada em Bordeaux.


DEFEITOS
41. CARDAMOMO: Aroma remete a Brettanomyces (cheiro de estábulo) comum no Rhône e Napa. 42. PAPELÃO MOLHADO: Invariavelmente indica defeito, como o temido TCA, bouchonné ou “cheio de rolha”. 


Assim que sua caixa estiver pronta, compre alguns vinhos, reúna os amigos e leve para a mesa de degustação a tabela abaixo – ela indica os aromas mais facilmente encontrados em diferentes estilos de vinhos Isso não quer dizer, no entanto, que você vá encontrar apenas esses aromas nos vinhos citados. E nada impede também que você encontre esses aromas em vinhos que não foram citados nesta edição. Esta é, aliás, a beleza da brincadeira: as descobertas são infinitas.

E nunca é demais lembrar que os aromas em questão não foram usados para temperar os vinhos – frutas, flores, ervas e especiarias, entre outros componentes, podem ser explicados por compostos moleculares naturais das próprias cepas, como é o caso do Rotundone, presente na pimenta-do-reino e na Syrah.

Outros aromas provêm do processo de vinificação, como aqueles que resultam da passagem do vinho branco ou tinto por barricas de madeira, como por exemplo manteiga, baunilha e até pipoca em alguns brancos; chocolate, fumo e café, entre outros, surgem nos tintos. Há ainda os que vêm da evolução, como o desejado “sous bois”, o aroma de bosque, cogumelos e até cereal.
 

Treine seu olfato, 80% do paladar vem do nariz. Foto: Alex Silva|Estadão
Por que escolhemos esses

A ideia inicial era fazer um kit de aromas bem básico, com dez, no máximo 15 fragrâncias clássicas encontradas em vinhos tintos e brancos. Mas uma visita a lojas de especiarias mostrou que seria fácil e divertido compor um jogo mais completo (e complexo) e que envolvesse também outros estilos, como por exemplo os fortificados vinhos do Porto.

Le Nez du Vin, o kit pronto (importado e com vidrinhos de essências), divide os aromas em frutados, florais, vegetais, animais e tostados. No kit que montamos, os frutados foram pouco privilegiados, por serem perecíveis – o melhor é você cortar as frutas frescas antes da atividade de degustação.



Nos concentramos em aromas duradouros. Ao todo, reunimos 42 deles, divididos em famílias aromáticas. Entre os florais, usamos jasmim, camomila e lavanda; nos frutados, ameixa seca, figo seco, cranberry e damasco; nas especiarias picantes, pimenta-do-reino preta, pimenta-do-reino branca e zimbro; nas doces, anis, canela, cravo, gengibre e noz moscada; entre os vegetais estão menta, erva doce, orégano, dill, capim cidreira, tomilho e grama; na família mineral estão terra e borracha.

Também usamos alguns aromas que vêm da madeira quando os vinhos amadurecem em barricas (fumo de corda, cacau, café, nozes, amêndoa, avelã, coco, baunilha, chá preto, chocolate). Incluímos ainda aromas que denotam a maturidade de um vinho (mel, cogumelo seco, cereal, tabaco), e os que apontam para defeitos (cardamomo, papelão molhado).

Se você preferir começar com uma versão compacta do kit, use 12 aromas, incluindo apenas um ou dois de cada grupo. Por exemplo: lavanda (floral), ameixa (frutado), menta e grama (vegetal), borracha (mineral), pimenta (especiaria picante), anis (especiaria doce), coco e cacau (madeira), funghi e tabaco (maturidade). Quando seu nariz estiver bem treinado, vá aumentando o kit.
 

Como 'brincar' com sua caixinha de aromas

Para quem trabalha com vinhos, o treinamento olfativo é fundamental. As opiniões só se dividem quanto aos métodos de estudo. Há quem prefira formas sistemáticas; outros saem cheirando tudo por aí. Karene Villela, responsável pela Portus Importadora, começou usando kits, depois radicalizou: “Entrei para o hall dos loucos, quando estudava para o WSET 3, ia no cemitério atrás de casa para estudar aromas florais nas bancas de flores. Depois, usava o google pra ver o nome em inglês. Até hoje minha mãe faz piada comigo”, conta.

Já o sommelier e consultor Manuel Luz acha que os kits são ideais para explorar aromas dificilmente encontrados “in natura” no Brasil. “No sacolão dá pra descobrir frutas e especiarias, mas os aromas florais, sem ajuda, não dá não. Que aroma tem o benzoato de metila da Nero D'Avola, Pinotage, Garganega? E a peonia (álcool fenilitico da Gewurztraminer, Pinot noir e Assyrtico?”

A consultora especializada em olfato Christine Kelly explica que treinamento olfativo não precisa ser caro. “Le Nez du Vin não é a única opção. Eu encorajo as pessoas a cheirarem coisas reais, frutas, temperos, ervas”, afirma.

Há muitas maneiras de aproveitar um kit de aromas, das lúdicas, com grupos de amigos em degustações informais, às sistemáticas. Bianca Bosker, que discute sua jornada de jornalista a sommelière no livro Cork Dork (Nerd da Rolha, em livre tradução), usava seu kit de aromas duas vezes por dia, de manhã e à noite. Sua metodologia consiste em escolher quatro aromas por semana, cheirar um por vez da maneira mais concentrada possível e descrevê-los. “O importante é você conseguir descrever em palavras o que está sentindo. Para entender os cheiros é preciso ter linguagem; ao treinar, deve-se colocar palavras nos aromas”, diz.

Christine Kelly adiciona imagens à rotina de estudo e memorização. “Se você está cheirando bergamota e pensa na cor azul, ótimo. Anote. Pode parecer sem sentido, mas provavelmente quando você sentir esse aroma novamente vai pensar no azul e saber que é bergamota”, afirma. Segundo ela, é fundamental ficar em silêncio, longe da internet e deixar a imaginação correr.

A criadora dos kits O Aroma do Vinho, Daniella Romano, diz que um item essencial para o estudo é a paciência. “No começo, erra-se muito. Mas não desista de criar seu banco de dados. Compare sempre. Achou que era maçã mas era pera? Cheire os dois”, ensina.

Além dos exercícios de memorização dos aromas, outra ideia é usar os vidrinhos com especiarias e ervas com os amigos para procurar nos vinhos os aromas descritos em suas fichas técnicas. “É legal lançar desafios, ver quem acerta mais, brincar. E, se tiver crianças por perto, convide-as para sentir os aromas também. A educação sensorial pode começar cedo.”
 

Le Nez Du Vin

Se você gostou da ideia de exercitar seu olfato, mas ficou com preguiça de montar seu kit do zero, há kits de aromas no mercado. A importadora De la Croix representa Le Nez du Vin no Brasil e traz algumas versões diferentes da caixa, desde a mais completa com 54 aromas (R$ 1.295), até a mais simples com seis (R$ 100), passando pelas específicas como as de aromas da madeira (R$ 435) e as de defeito do vinho (R$ 435). Daniella Romano vende sua caixa de 54 aromas no site www.aromasdovinho.com.br por R$ 950, e a de 15 por R$ 290. Dá cinco anos de garantia e refil de todas as essências.
 

SERVIÇO

Onde: Atacadão do Artesanato. R. 25 de Março, 641, 4º andar, sala 11, Centro, tel. (11) 3227-5194. Dëlika. R. Pedro Cristi, 89, Pinheiros, tel. (11) 3032-3536. Laticínios Guarei. R. Pedro Cristi, 89, Pinheiros, tel. (11) 3819-4717

Original: http://paladar.estadao.com.br/noticias/bebida,monte-seu-kit-de-aromas-de-vinhos,70001906885

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