Frases Famosas

"Existe mais filosofia em uma garrafa de vinho que em todos os livros." Louis Pasteur

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Por que o vinho passa por barris?

Por A REVISTA SOCIEDADE DA MESA 

 


Como funciona?
 

A madeira de carvalho, à primeira vista, nada tem a ver com o vinho. Porém, os consumidores de vinhos sabem que em determinados tintos – reservas e grandes reservas – por exemplo, ela é a chave dos misteriosos e agradáveis toques de baunilha, caramelo e café, que nos trazem a lembrança de coisas queridas: as sobremesas da vovó, doces da infância, cafés da manhã ao sol…

Mas diferentemente das fantasias que despertam o sabor da madeira nos consumidores, do ponto de vista da elaboração do vinho, o barril e o tonel de carvalho são mais do que um gosto adorável. São, por assim dizer, a chave da longevidade do vinho e, ainda para completar, quase como um efeito secundário, artifícios de corpo amplo, passo carnudo e sabores que ficam marcados em nossa memória. Como é possível? O sabor é um efeito secundário? Então, para que serve o barril de carvalho?


O MISTÉRIO DO BARRIL
 

Tudo começou quando o florescente comércio marítimo permitiu levar vinhos do Mediterrâneo e do norte da França para o sul da Europa. Durante os séculos XVI e XVII, os comerciantes carregavam as adegas de seus barcos com barris de vinho, já que não havia recipiente melhor para o transporte. Até que homens pragmáticos finalmente observaram que os tintos, principalmente, chegavam ao destino em melhor estado que o inicial.

Descoberto o fenômeno, estabeleceu-se um mistério que os bodegueiros de Borgonha e de Bordeaux não demoraram a estudar, utilizando as ferramentas rudimentares da época. Notaram, assombrados, que ao colocar um vinho forte e com arestas em um barril, com a passagem de um inverno e um verão, obtinham um vinho redondo e com corpo, e que podiam vender por um valor melhor. E assim o fizeram, estabelecendo um casamento que duraria por séculos: carvalho e vinho.

Passaram-se muitos anos até que a enologia conseguisse explicar o mistério. Foi durante o ano de 1931, quando o enólogo e investigador francês Riberau- Gayon compreendeu que o barril de madeira funcionava como um respirador artificial para o vinho. Um respirador muito sutil – é importante mencionar – que fornecia a dose justa de oxigênio para que acontecessem nele grandes transformações.

RESPIRAR É A CHAVE
 

Um barril, do ponto de vista técnico, funciona como um dosador de oxigênio. Através dos poros do carvalho, em um ano, uma ínfima porção de oxigênio vai incorporar-se ao vinho. Quanto? 20 mg/l de vinho. Um número difícil de imaginar de tão pequeno, mas surpreendentemente eficaz na hora de melhorar a bebida precisamente por sua escala de dosagem.

Acontece que o vinho jovem tem duas substâncias difíceis de se sustentar com o tempo. Uma é a cor, cujas moléculas são os antocianos, moléculas raras provenientes da casca da uva, insolúveis em água e álcool (os principais componentes do vinho). Por isso, encontra-se nos vinhos um raro estado chamado coloidal, ou seja, moléculas que não estão dissolvidas nem flutuando, e sim retidas. A outra substância chave são os taninos.
Estes, sim, são solúveis em água e álcool, porém são moléculas tão grandes e reativas que, com o tempo, tendem a combinar-se entre si, formando moléculas cada vez maiores, até que seu próprio peso faça com que se precipitem (especialmente quando varia a temperatura do líquido, por exemplo, com as mudanças de estação).
 

Com tudo isso, para que um vinho tenha longevidade, com a cor e o corpo sujeitos a perdas em curto prazo, é necessário um milagre. Esse milagre é o barril, que ao fazer o vinho respirar, consegue combinar estas duas moléculas (uma de taninos e outra de antocianos), por meio de uma molécula de oxigênio. Assim, acontece uma transformação chave, pois, uma vez que as moléculas estão unidas, não se separam nunca mais e ficam estáveis: a cor muda o estado de coloidal para solúvel e os taninos, como não formam mais moléculas maiores, já não precipitam.

Portanto, aquilo que os comerciantes observaram e os produtores aperfeiçoaram não é nem mais nem menos que o resultado de uma transformação invisível e fundamental. A essa transformação chamamos de “crianza” (envelhecimento). Quanto mais tempo um vinho passa em um recipiente de madeira e respira uma maior quantidade de oxigênio, mais moléculas se estabilizam e, portanto, maior também será a estabilidade do vinho frente ao futuro. Mas tudo tem um limite e este é o sabor.

O SABOR DA MADEIRA


Claro que, para os consumidores de vinho, o carvalho nos faz salivar com prazer. É um sabor agradável de guloseimas e coisas queridas. Ao paladar, além de taninos da madeira – que tem muitos e, inclusive, maiores que os do vinho – aporta certa carnosidade e corpo, que o faz algo importante e fabuloso.

Mas o que acontece quando o gosto da madeira sobressai diante do vinho e há tanto que ele cheira e tem sabor de fumaça, enquanto seca a boca por ter tantos taninos da madeira? Esse é o limite do envelhecimento no barril. Pelo menos na teoria, do ponto de vista enológico, um vinho haveria de ficar muitos anos dentro do barril para que fosse estável – como acontece com o Porto Tawny, onde, de tão oxidados e estáveis, duram décadas sem alteração.

Mas a realidade é que a madeira é invasiva e quanto mais tempo o vinho passa nela, mais adquire as características do carvalho e perde as da uva. Assim, entre o vinho, o enólogo, a madeira e o consumidor, acontece um leilão de interesses: o vinho deve ser feito o melhor possível para que tenha longevidade, evitando o ataque da madeira que o transforma em algo difícil de beber, sob o ponto de vista do consumidor.

Quando tudo funciona bem, alcança-se esse equilíbrio mágico, no qual o vinho e a madeira formam o casal perfeito, como esses amores de cinema: tudo é espetacular e o paladar agradece com um bom prato bem temperado. Um vinho que, além de longevo, pode dormir o sono dos justos por muito tempo, fechado em sua garrafa, até que um dia volte a respirar e libere todos os sonhos que inventou enquanto dormia.


Original: http://revista.sociedadedamesa.com.br/2014/10/por-que-o-vinho-passa-por-barris/

Um comentário:

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