Frases Famosas

"Existe mais filosofia em uma garrafa de vinho que em todos os livros." Louis Pasteur

terça-feira, 22 de novembro de 2016

O passado é a chave do futuro para o vinho

Por Joaquin Hidalgo

No vinho está tudo inventado… Salvo inovações tecnológicas que acontecem em laboratórios avançados, o resto das técnicas já foi engarrafado em algum lugar no mundo. Para demostrar o engenho humano na hora de produzir melhor um vinho, temos como exemplo o vinho de Jerez ou Porto.

Sem dúvida, algo aconteceu no campo das taças para que, visando o futuro, o passado tenha sido revisado em busca de inspiração. Entre 1990 e a década atual, a globalização e o comércio internacional fizeram com que a diversidade que reinava no mundo do vinho ficasse opaca após certos estilos dominantes: cepas francesas colocaram-se em regiões insuspeitadas da Grécia, México e Catalunha; o barril culminou no elemento chave para elaborar grandes tintos e, principalmente, o conceito de vinho-alimento-cotidiano virou vinho-produto-de-luxo, que eclipsou muitas técnicas de elaboração utilizadas no passado. E se essa foi a má noticia para os amantes do vinho, a boa nova é que a aldeia global, ao menos em matéria de bebidas, também difundiu outras técnicas, que agora voltam à luz longe de suas terras originais e aportam novo vigor a outras zonas vitivinícolas.


Hoje, mergulhando no naufrágio da “parkerização” e dos vinhos gordos, emergem velhas técnicas para redescobrir o vinho diverso e complexo. Há muitos exemplos, desde a volta dos tonéis à exploração de técnicas antigas com a elaboração em ânforas, o cimento armado sem pintura e até a copigmentação ganharam novo terreno. E os vinhos atuais, pelo menos em certos nichos, hoje são vanguarda e ganham amplitude de oferta. Por isso, para saber do que estão falando os novos produtores, listamos algumas das velhas técnicas recuperadas para o futuro do vinho.

COFERMENTAÇÃO: os vinhedos antigos eram plantados com mais de uma variedade, e até no meio de uma plantação de tintas havia algumas plantas brancas. Até recentemente, isso era considerado um erro. A enologia contemporânea, porém, reivindica a prática, pelo menos realizada no tanque, antes da fermentação. Acontece que, contrariamente ao que se pensa, a mistura melhora a cor e o aroma do vinho. Como a fermentação é um processo de transformação, se são combinadas duas uvas desde o princípio, sua cinética natural e ingovernável permite obter algo muito deferente do corte delas, inclusive um pouco mais que a soma das partes. O motivo é um mistério que se esconde no trabalho das leveduras. Qualquer que seja o caso, uma coisa é certa: a cofermentação é uma técnica antiga que hoje está de volta. Não somente em cortes como Syrah Viognier – típica do Cote Rotie, em Rhone – mas também com a Cabernet Franc e outras tintas como a Cabernet Sauvignon, tanto na Argentina como no Chile e na Califórnia.


TONÉIS E FUDRES: foram os malvados desde a década de 1990. No discurso das bodegas, representavam aquilo que era velho, o que havia de ser modificado, porque o barril era a nova ferramenta da modernidade. Porém, hoje as bodegas voltam a pôr os olhos nos tonéis e fudres. A razão está no fato de que suas madeiras não contaminam o sabor do vinho, enquanto o processo oxidativo que realizam é lento e uniforme e, no final, o que se obtém é um vinho mais elegante. Nas bodegas de ponta da gama de Priorat, na Espanha, e no Vale de Uco, na Argentina, aparecem novamente os tonéis, entre 600 e 2000 litros. E os barris, sempre utilizados, hoje são muito valorizados quando já foram utilizados mais de uma vez, pelos mesmos motivos: não invadem o vinho com perfume de baunilha, mas o deixam melhor.
 

PASSIFICADOS: entre as técnicas mais antigas que estão sendo utilizadas para grandes vinhos, há uma que é fora do comum e muito trabalhosa. Assim se elaboram os Amarones desde tempos remotos, tintos da variedade corvina vindimada e logo hidratada à sombra, antes de passar para a fermentação. Fora da Itália esta técnica também é utilizada por enólogos conhecidos. O truque é que, deste modo, se produzem vinhos com sabores muito maduros, tipo uva passa, e com texturas suaves, porém, com uma elevada frescura natural. Delicados em seus traços, são elegantes ao paladar. Bons exemplos fora da Itália são o catalão Freixeneda 2011, ou o Memento 2010 e o Enamore, dois exemplos argentinos.
 

O TALO ESTÁ DE VOLTA: na enologia dos anos 1990, o talo era uma má palavra. Todas as uvas eram retiradas de seu esqueleto e o vinho era feito na presença de galhos. O argumento era que assim evitava-se os sabores de ervas e se encontrava os sabores de fruta. Hoje, muitas elaborações de Pinot Noir – e não somente com essa uva, levam o cacho inteiro e os talos são utilizados para fixar a cor, aportar ao vinho aromas de ervas e dar-lhe uma estrutura tânica. A técnica, cabe explicar, era utilizada antigamente em Champagne e Bourgogne, pelos mesmos motivos. Agora é possível encontrar esse tipo de elaboração em todo o mundo, nos segmentos ultrapremium e, especialmente, nas elaborações orgânicas e biodinâmicas, como um detalhe a mais. Chacra emprega-a nos seus Pinot Noir no sul da Argentina. A técnica também é utilizada na Espanha, em bodegas como a Ignios.

O CIMENTO: o aço inoxidável, aliado dos tintos Parker, apagou do mapa os tanques de cimento. Teoricamente eram sujos e não permitiam fazer bons vinhos. Acontece que agora, não somente voltam a ser utilizados, como vamos além, utilizando-os sem cobertura epoxy, para que “o vinho possa respirar pelos poros do recipiente” como nos comentou o enólogo italiano Alberto Antonini há algum tempo. O ponto é que, seja em forma de ovos de cimento ou como tanques velhos recuperados, o contato com o material sem cobertura aporta ao vinho uma textura de giz muito apreciada hoje, tanto nos brancos como nos tintos. Exemplos curiosos são os vinhos de Eggo, elaborados pela Finca El Zolzal (Mendoza) e também Altos las Hormigas Terroir Uco, elaborado por Antonini.


Original: http://revista.sociedadedamesa.com.br/2015/08/artigo-tecnico-o-passado-e-a-chave-do-futuro-para-o-vinho/

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