Se você está curioso a respeito dos vinhos ingleses, este guia introdutório vai ajudá-lo a conhecer as principais regiões emergentes, as variedades de uvas e os estilos que estão colocando a Inglaterra no mapa. Quem gosta do estilo de Champagne, anote: o espumante inglês tem mais em comum com o terroir daquela região francesa do que você poderia imaginar.
A maioria das pessoas imagina os ingleses bebendo, e não produzindo, vinhos. E provavelmente, se o assunto é vinho de qualidade, a Inglaterra não é o primeiro país a vir à mente. Embora seja o sexto maior consumidor mundial (dados de 2014), a pequena produção vinícola inglesa sempre foi considerada secundária.
Na última década, porém, isso mudou muito. Hoje, a Inglaterra é uma força notável no mundo vinícola, com espumantes de classe internacional, recebendo prêmios e, pela primeira vez, derrotando importantes maisons de Champagne em competições e merecendo o reconhecimento de apreciadores do mundo todo.
Apesar de ainda produzir vinhos tranquilos, são os espumantes feitos pelo método tradicional que ganham a atenção das pessoas, representando a maioria da produção inglesa (mais de 65% dos vinhos produzidos).
Regiões Viníferas Inglesas
Vinhedos: 1438 hectares (2012)
Vinícolas: 128 (2012)
Primeira vinícola: Hambledon Vineyard em Hampshire, fundada em 1951
Produção: 84% Espumantes e Vinhos Brancos, 16% Tintos
Não é segredo que chove muito na Inglaterra. No sul, onde a maior parte da viticultura está instalada, o clima é um pouco mais cálido e seco.
Com a ajuda do aquecimento global, as temperaturas médias anuais estão subindo e os problemas com o amadurecimento das uvas, que há muito prejudicam os produtores ingleses, pode ser uma questão do passado dentro em breve.
Por enquanto, as melhores regiões de viticultura espalham-se por uma faixa ao sul da costa que vai da Cornualha até Kent, com semelhanças de clima e de solo, exibindo diversas variedades de uvas adequadas a climas frios.
As três regiões principais são:
· Sussex
· Kent
· Surrey
SUSSEX
Sedlescombe Vineyards, o primeiro vinhedo orgânico, e agora biodinâmico da Inglaterra, com o Castelo de Bodiam ao fundo, em Sussex |
Sussex fica na extremidade sudeste da Inglaterra, junto ao Canal da Mancha. Como uma das regiões mais ensolaradas das Ilhas Britânicas, recebe menos chuvas do que qualquer outra região viticultora de lá.
Isso não significa que a chuva não cause problemas naquele período crucial em que as videiras começam a florescer, e, como ocorre em todas as regiões produtoras da Inglaterra, as geadas e a podridão sempre são fatores de preocupação.
A região geográfica de Sussex compreende dois condados distintos, West Sussex e East Sussex, ambos com um número crescente de vinícolas.
A região de Downs com diversos afloramentos de calcário caracterizam a paisagem não apenas de Sussex, como definem as regiões a oeste, norte e leste.
Solos calcários dominam Sussex e contribuem para a vocação de produção de uvas de qualidade para espumantes nessa região.
Se isso soa familiar, é porque lá se encontram os mesmos solos de Champagne.
Outra característica que Sussex compartilha com seu vizinho gaulês é o clima frio, que ajuda a preservar a acidez necessária para a produção de espumantes de alto nível. Sussex está acima do paralelo 50, no extremo superior da faixa de 30º a 50º de latitude geralmente considerada adequada para a produção de vinhos.
Os vinhedos da região incluem a Bacchus e as uvas clássicas de Champagne, Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier, todas adequadas a climas mais frios.
A Bacchus, uma uva branca aromática, é um cruzamento entre a Sylvaner, a Riesling e a Müller-Thurgau, desenvolvida na Alemanha na década de 1930.
Os vinhos de Sussex incluem descritores como giz, pedra de isqueiro e forte caráter mineral, refletindo os solos nos quais as uvas são cultivadas.
Sussex é candidata a se tornar a primeira região com status DPO (Denomination of Protected Origin) na Inglaterra.
INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR: Variedades populares na Grã-Bretanha
Pinot Noir, Chardonnay e Pinot Meunier: As três uvas principais dos espumantes ingleses feitos pelo método tradicional.
Bacchus: Cruzamento alemão de Sylvaner, Riesling e Müller-Thurgau que faz vinhos aromáticos e com pouca acidez, motivo pelo qual costuma ser usada em cortes.
Ortega: Uva de maturação precoce, cruzamento de Muller-Thurgau e Siegerrebe, desenvolvida na Alemanha com aroma de pêssego, geralmente usada em vinhos doces.
Seyval Blanc: Híbrida francesa branca, com pouca mineralidade, usada em vinhos de colheita tardia ou ao estilo Eiswein.
Reichensteiner: Quinta variedade mais cultivada na Inglaterra, a Reichensteiner é uma uva resultante de um cruzamento alemão, bastante ácida, usada em espumantes.
KENT
As encostas brancas de Dover, em Kent (Crédito Loki1973) |
Situada a leste de Sussex, diante de Calais. Os icônicos White Cliffs de Dover aparecem no litoral de Kent, há muito uma abundante fonte de produtos agrícolas e de pomares ingleses. Como Sussex, com um clima levemente mais cálido (em comparação com o resto da Inglaterra), é um lugar viável para agricultura.
Os melhores vinhedos estão voltados para o sul para maximizar as horas de sol sobre as videiras, e Kent tem o mesmo solo calcário de seus vizinhos.
Hoje, Chardonnay, Pinot Noir, Bacchus e Ortega representam muitas das videiras de Kent, que substituiu cruzamentos alemães como Reichensteiner e Huxelrebe, plantadas intensamente na década de 1970.
Seus vinhos têm acentuado caráter mineral, além de maçãs, peras e flor de sabugueiro, com acidez viva e refrescante.
No final de 2015, a Taittinger, tradicional maison de Champagne, anunciou a compra de terras em Kent, nas quais pretende plantar Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier. A Taittinger é a primeira produtora de Champagne a participar da florescente produção de espumantes na Inglaterra, investindo na crescente indústria vinícola do país.
SURREY
Denbies Vineyard, o maior de Surrey (Crédito Diamond G.) |
Surrey também tem solo calcário formado pelos restos de antigos fósseis marinhos. É lá que foi feito o segundo investimento de uma maison de Champagne na Inglaterra: a Pommery e a Hattingley Valley formaram parceria.
Surrey também é a sede dos maiores produtores da Inglaterra, Denbie’s Estate, que tem o maior vinhedo de Blighty, o Denbies Vineyard.
Outras regiões a se acompanhar
Hampshire
A oeste de Sussex, temos Hampshire, conhecida por seus resorts de veraneio e berço da primeira vinícola comercial moderna da Inglaterra.
A Hambledon Vineyard foi fundada em 1951 pelo major-general Sir Guy Salisbury-Jones, francófilo que acreditava no potencial de Hampshire, sua terra natal, para produzir uvas dignas de serem transformadas em vinhos. A Seyval Blanc era sua variedade preferida, embora tenha sido substituída depois pelas variedades de Champagne.
East Anglia
A norte e a leste de Londres, ficam os condados de Norfolk e Suffolk, que, juntos, formam East Anglia. Aí, os solos são mais densos, com bastante argila. A Bacchus é a principal uva da região, mas os produtores mais recentes estão fazendo experiências com Pinot Noir e Chardonnay. Os cruzamentos alemães, como Reichensteiner, Schonburger e Huxelrebe, além da híbrida Rondo, são cultivados com sucesso nessa região.
PEQUENA HISTÓRIA DOS VINHOS INGLESES
Solos de puro calcário e giz são da mesma Era Geológica (Kimmeridgian) do que o calcário de Champagne e Chablis (Crédito Fraser Elliot) |
Os vinhedos chegaram na Inglaterra graças aos romanos, que levaram consigo a viticultura para todos os países que iam conquistar. O acesso ao vinho era um direito de cidadãos e de escravos, e os romanos plantavam videiras para garantir que teriam vinhos onde quer que fossem.
Após a queda do império, os mosteiros cristãos mantinham vinhedos para os sacramentos e peregrinos, bem como para uso pessoal. Um período mais quente da Idade Média ajudou as uvas a amadurecerem de maneira consistente. A produção vinícola ficou relativamente estável até a Peste, que chegou na Inglaterra por volta de 1348 e dizimou um terço da população.
Quando o rei protestante Henrique VIII desmantelou os mosteiros católicos em meados do século 16, a viticultura inglesa iniciou uma espécie de Idade das Trevas, embora o renascimento cultural estivesse em pleno desenvolvimento.
Desde o século 18, até o início do 20, alguns indivíduos plantaram videiras e fizeram tentativas de produção de vinhos, mas só depois da Segunda Guerra Mundial, nas décadas de 1950 e 1960, é que recomeçou o interesse comercial pela viticultura inglesa.
DICAS DE VINHOS INGLESES
· Os produtores estão começando a fazer experimentos com novas variedades e estilos. Em Kent, a Chapel Down é a primeira vinícola inglesa a produzir vinhos com a Alvarinho, colhida em seu vinhedo Sandhurst, além de ser a primeira a fazer vinhos laranja na GB, com a uva Bacchus.
· 2015 foi um ótimo ano para a indústria vinícola inglesa. Os espumantes ingleses abocanharam 130 medalhas na premiação da Decanter World Wine Awards, segundo a revista. Produtores pioneiros como Nyetimber, Chapel Downs, Ridgeview, Denbie’s e Gusborne foram alguns dos ganhadores. Os melhores receberam mais de dez medalhas de ouro no International Wine Challenge.
· 2016 marcou o primeiro ano em que os produtores ingleses mantiveram uma presença significativa na Prowein, feira internacional de negócios de vinhos e espirituosos da Alemanha.
· Em termos do restante do Reino Unido, também se produzem bons vinhos em Gales, com algumas tentativas na Escócia.
AVISO AO CONSUMIDOR: "Vinho britânico" e "vinho inglês" não são a mesma coisa. Um rótulo dizendo "Vinho britânico" indica um vinho doce, ao estilo Porto ou Jerez, feito com concentrado importado de uvas. É barato, não é muito bom, e deve ser evitado.
ÚLTIMA PALAVRA
A Inglaterra está realmente passando por um renascimento. Nos últimos dez anos, o número de videiras plantadas mais do que dobrou, e espera-se que isso aconteça novamente por volta de 2020. A cada ano surgem novas vinícolas e novos produtores entram no jogo para atender à demanda crescente por espumantes ingleses.
Como ocorre noutras regiões com climas marginais, o mau tempo pode ser particularmente desastroso. Doenças e podridão são problemas sérios e, nos anos mais frios, as uvas podem ter problemas para amadurecer. Uma safra ruim, como o úmido ano de 2012, significa uma colheita drasticamente reduzida. As mudanças climáticas terão um papel importante no futuro dos vinhos ingleses.
Com os produtores ingleses visando a exportação, os consumidores podem esperar maior disponibilidade desses vinhos nos mercados globais. Para quem tenta beber algo parecido com champanhe com orçamento de cerveja, os espumantes ingleses podem ser um passo na direção certa.
E, como o preço da terra na Inglaterra é bem menor do que em Champagne, os produtores podem tentar vender seus vinhos a preços mais amigáveis. Variando entre US$20-$35, você bebe os espumantes que mais se parecem com champanhe (mais do que Cavas ou Proseccos) sem prejudicar seu saldo bancário.
Será a Inglaterra a futura Champagne? Depende da pessoa para quem você perguntar. A Inglaterra ainda está se desenvolvendo como país vinícola, mas sem dúvida será empolgante ver como os vinhos ingleses se sairão nos próximos anos.
Original: http://www.artwine.com.br/artigos-e-reportagens/412/vinhos-ingleses-uma-visao-abrangente
Nenhum comentário:
Postar um comentário